sexta-feira, 26 de outubro de 2007

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

GASTAR O DINHEIRO DOS OUTROS É FÁCIL

"O eng. Fernando Pinto, presidente da TAP, declarou recentemente que a solução de manter o aeroporto da Portela e complementá-lo com um outro menor seria um erro. O responsável pela companhia quer ver resolvido rapidamente o problema da saturação aérea que já se verifica em Lisboa, mas a única solução que considera é a de um grande aeroporto novo, embora não se pronuncie quanto à localização.Evidentemente que tem razão. A sua análise está perfeitamente correcta e entra em conta com todos os factores. Todos menos um: o custo. Dado que não é ele nem a sua empresa quem paga a nova infra-estrutura, podem exigir com toda a calma o que mais lhes agradar. Depois o País trata da factura.No fundo o que o presidente da TAP diz é que prefere um aeroporto grande a dois médios, coisa que toda a gente entende. A única razão por que alguém sugeriu esta segunda hipótese, evidentemente pior, é porque já temos um aeroporto médio em excelentes condições, onde aliás acabaram de se fazer obras substanciais e dispendiosas. Dado esse facto irredutível, fica muito mais barato construir um outro pequeno aeroporto de apoio que demolir o que temos e fazer de raiz um maior. Isto também toda a gente entende. É precisamente a mesma razão por que tanta gente compra carros pequenos em segunda mão quando seria muito melhor andar de Ferrari novo.Como é caro e o País não é rico, parece razoável resolver temporariamente a saturação da Portela desviando tráfego para um local alternativo. Esse, se for bem escolhido, pode um dia crescer e substituir o actual em maiores dimensões. Mas dando tempo para ir juntando dinheiro. Claro que isso cria problemas temporários à TAP e aos passageiros. Mas quem não é rico vive como pode.A TAP foi ao longo das últimas décadas um dos brinquedos mais caros do País. As Finanças iam avançando para tapar os prejuízos que se sucediam, como as dívidas de um miúdo birrento que gasta mais que a mesada. Havendo vários buracos públicos tão ou mais custosos, a coisa ficava disfarçada. Mas não deixava de ser vergonhoso o que a empresa ia exigindo ao Orçamento do Estado para pagar incompetências e requintes com os impostos dos pobres.Agora, que finalmente parece ter melhorado a gestão, conseguindo bastar-se a si mesma e começando até a ter lucros, surge a exigência de um novo aeroporto. E não pode ser coisa modesta, um complemento, uma ajuda. Tem de ser grande e novinho. Como o filho exigente que, quando consegue arranjar emprego, pede casa nova ao pai.Se a empresa tivesse de suportar os custos pagando mais nessas instalações, se os ordenados da administração fossem ajustados por causa da despesa, certamente pensariam duas vezes na exigência. Mas esse peso fica todo do nosso lado. Entretanto a TAP é livre de sonhar com fazer de Lisboa um hub internacional, o que lhe daria tanto prestígio e influência. Desde que nós entremos com os vários milhares de milhões de euros que esse sonho custará.É normal que a TAP pense assim, como as construtoras que o vão edificar e as câmaras que dele beneficiam. Estão a fazer o seu papel. O pior é não existir ninguém para defender o ponto de vista dos contribuintes. Os ministros, que dizem representar o interesse nacional, ficam extasiados com a grandeza do projecto, maravilhados com a oportunidade histórica e intimidados com a pressão dos interesses. Gastar dinheiro a mais não fica mal, mas optar pela solução modesta geraria terrível contestação.Por isso parece quase inevitável que venha a enveredar-se pela solução mais luxuosa, mais grandiosa, mais cara. Afinal a escolha modesta não interessa a ninguém. A não ser a quem paga. E esses são milhões de pessoas, não percebem nada de aeroportos nem sabem o que afinal acontece ao dinheiro que lhes custa tanto a pagar em impostos.Tudo somado, este problema até é menor. Embora mais caro, um aeroporto grande sempre é melhor que dois médios. Afinal, quando se vive no País que construiu dez estádios de futebol para um campeonato, um disparate destes até nem parece grave."
João César da Neves, no Diário de Notícias.