sexta-feira, 1 de junho de 2007

O MITO DA OTA

A Ota nunca poderá ter terceira pista, nem mais de 35 milhões de passageiros/ano. Logo, padece de uma "doença mortal". A localização de um novo aeroporto na Ota sofre de várias pragas, mas uma é "mortal": não há lá espaço para mais do que duas pistas. O ministro ainda quis prova escrita, mas como não podia haver contestação a tal constatação, surgiu argumento suplente: a expansão não será necessária por a procura prevista não exceder a capacidade de oferta da Ota.
E qual será a procura? Não 30 milhões os passageiros/ano em 2035, como se começou por dizer, mas 50 milhões, número que impressiona mas é temerário. Porquê? Porque a oferta na Ota será de apenas 35 milhões de passageiros/ano de acordo com a Parsons (Plano Director, página 308). Pior: o número de 50 milhões não se baseava em nenhum dos estudos publicados pela NAER. De facto, o estudo da Parsons prevê para aquele ano cerca de 32 milhões de passageiros (página 191 do Plano Director), número parecido ao calculado em 1999 pela Aeroports de Paris (página 25 do Relatório para a Preparação da Escolha do Local). Como o problema da procura afecta tanto a Ota como qualquer outro local do nosso território, mesmo o miserável "deserto", a questão reside na capacidade de oferta e é simples: "Um aeroporto na Ota tem uma capacidade para, em 2035, receber mais 30 milhões de passageiros/ano?" A resposta envolve factores de difícil ou discutível quantificação relacional com o local e com a exploração do transporte aéreo.O local escolhido deve permitir o número de aterragens e de descolagens necessárias, o que depende do relevo, da natureza dos ventos e das condições de visibilidade. Para perceber a evolução do tráfego aéreo deve-se pensar nos tipos de avião, nas suas taxas de ocupação e no número de horas de operações. Ora se tomarmos como bons os pressupostos da Parsons, devemos contar sobretudo com aeronaves com 200 lugares, 10,9 horas "médias" por dia, 310 dias "médios" por ano e uma taxa de ocupação média anual de 72 por cento (página 308 do Plano Director). Multiplicando tudo, obtém-se 486.576 passageiros por ano e por movimentos por hora.Vejamos agora qual o número de movimentos por hora de um aeroporto com duas pistas paralelas afastadas de 1700m. De acordo com a Aeroports de Paris aquele número é 72 (página 25 do Relatório). Para a Parsons, também, ou quase: "... sem esta limitação da pista oeste... a capacidade... na Ota corresponderia aproximadamente (a) 72 movimentos por hora" (página 52 do Plano Director). Parte do problema estaria resolvido não fosse a Parsons aumentar aquele número em 2005 para 84, embora com reservas, muito sublinhadas, quanto às condições de relevo e de visibilidade da Ota (página 11 do Aeronautical Feasibility Study). Que número, então, adoptar? Se partirmos do "consensual" 72 e cruzando-o com os parâmetros da Parsons, obtém-se como estimativa do total de movimentos por hora 67. A estes 67 movimentos por hora correspondem 486.576 x 67 = 32 milhões de passageiros por ano. Tudo estaria pois certo: a oferta correspondia à procura. Contudo, se a taxa de crescimento da procura não estabiliza e continua a crescer moderadamente, em 2035 será sempre superior à capacidade de um aeroporto na Ota, o que significa que este estará possivelmente saturado nessa data, como hoje está o da Portela, mas sem a mínima possibilidade de expansão. Duraria, em operação, menos de 20 anos. Trata-se pois de uma "doença mortal" que não pode, num projecto desta dimensão, ser ignorada ou desprezada por qualquer governante.
Engenheiro civil, IST
Fonte: Público

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